sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O Sonho - The end...

Demorou quase um mês à sua saída do Hospital. Cada dia era uma luta, que por vezes acabava em vitória, mas noutros, acabava em lágrimas de dôr ou de depressão. A fisioterapia era lenta uma vez que os danos causados no pulmão e no baço atrasavam todo o processo.


Eu tinha me despedido do hotel... Não queria deixar de estar ao seu lado e neste momento isso era tudo o que me importava... vê-lo voltar à normalidade. O Sr.Park tentou demover-me da ideia, oferecendo a hipótese de licença sem vencimento, mas a verdade é que não queria ficar com esse peso na consciência. Ele estava de baixa, lógico e quando pudesse voltar ao trabalho, eu tentaria voltar para o hotel... Se não conseguisse, havia milhares de hóteis em NY...

Estava recostada no cadeirão do quarto de hospital quando começou a amanhecer... Era dia 1 de Dezembro. O gelo estava espalhado por toda a cidade, bem como as decorações de Natal. Sentia falta da minha mãe, do meu pai, dos meus sobrinhos... Tinha bilhete de avião marcado para dia 20 de Dezembro, chegaria no dia de anos do meu sobrinho! Mas, a verdade é que não sabia se poderia ir, não sabiamos se ele podía viajar e como era lógico, não iria deixá-lo sozinho nunca. Se assim fosse, seria o nosso primeiro Natal juntos.. a todos os níveis!
A enfermeira entrou no quarto para acordá-lo, para poder tomar o pequeno-almoço e seguir para a dose diária de tratamentos.
"Deixe estar que hoje eu acordo-o..." - pedi eu sorrindo...

Dirigi-me à sua cama, e admirei-o... era lindo, mesmo com um ar ligeiramente frágil... Mesmo com o cabelo gigante e desgrenhado, deixando todos os seus caracóis definidos e soltos... Mesmo com uma barba mal aparada e cuidada, continuava com um ar distinto e sedutor. O meu dedo indicador passou ao de leve nos seus lábios, pela sua cicatriz no queixo e pela sua maçã de adão... Inclinei-me e beijei-o subtilmente. Passei-lhe a mão pelos cabelos e sussurei-lhe ao ouvido "Bom dia principe..."
Abriu os olhos devagar e assim que olhou para mim sorriu... como se fosse uma criança de 3 anos a sorrir com mimo e ternura para os pais. Sorri e comovi-me... como me comovia diariamente quando o via acordar.
"Bom dia..."
"Como te sentes hoje?"
"Tenho algumas dores... mas estou bem! Nada que não se tolere... Dormiste alguma coisa?"
"Sim... dormi! Descansei, pelo menos..."
"Tens de pensar em ti... eu já estou bem..."
"Temos é de pensar no nosso Natal..." - disse eu em tom de mimo.

A meio da tarde, o Dr. Xopka veio falar comigo para me dizer como estava a situação clinica dele.
"Vamos dar-lhe alta amanhã. Apesar disso, terá de vir ao hospital todos os dias para a fisioterapia. Terá de ter muito cuidado, uma lesão no pulmão não é para ser levada de animo leve. Não deverá cansar-se em demasia, não deverá ser exposto a sitios com muita poluição ou com ares condicionados muito fortes."
"Nós gostaríamos de ir a casa passar o Natal, acha que é possível?"
"Infelizmente não... A pressão do ar poderá criar complicações no pulmão. O vôo é também demasiado longo."
"Compreendo..." - não pude esconder a minha tristeza... Não via a minha familia desde Agosto e queria poder vê-los, em especial no Natal. Claro que o passaría bem, junto ao homem dos meus sonhos....

Ao sair do hospital, ele vinha com uma bengala, visto não poder usar canadianas. Assim, foi-lhe posto gesso no pé de forma a que pudesse andar, desde que apoiado pelo braço direito numa bengala.
"Ficarás bem quando fores velhote..." - brinquei eu.
"Claro... mas havia dúvidas? Eu ficarei bem de qualquer forma..." - Agarrei-o e beijámo-nos... um beijo longo, forte e sentido... - "Hey...olha que não me posso cansar... Não me faças correr o risco de teres tu de fazer tudo em casa!" começámos os dois a rir enquanto esperávamos pelo táxi.
Estar na rua, de mão dada com ele era qualquer coisa de inexplicável. Era algo com que sempre tinha sonhado, mas que nunca tinha vivido...
Ficámos em casa dele até tudo ficar mais restablecido. Aí voltaria para a minha pensão.

Tudo corrieu normalmente nos dias seguintes, eramos um casal feliz mas reservado... ambos sabíamos que havia um passado longínquo a ser esclarecido e um passado recente a ser resolvido...
Era de noite, já tinhamos jantado e ele estava no sofá, a ver televisão, quando me aproximei com uma chavena de chá... chovia torrencialmente e fazia muito frio. Quando passei por ele, dei-lhe um beijo no pescoço e não obtive qualquer reacção:
"Que tens? Passa-se alguma coisa?"
"Catarina... quem era aquele homem com quem estavas a jantar na noite do acidente?"
Não consegui disfarçar que aquela pergunta me tinha caído como uma bomba... gaguejei... "Então... hum... era um amigo meu que tinha vindo a NY passar uns dias!"
"Um amigo teu que te agarra pelo pescoço para te cumprimentar quando chegas ao restaurante?"
"Não estou a perceber onde queres chegar..."
"Diz-me que aqueles dias que não foste trabalhar não foram para estar com esse tal amigo.. diz-me que ele estava cá e só se juntaram para jantar..."
"Não... eu não estive de férias para estar com ele de propósito,mas sim.. ele esteve cá esses dias para estar comigo... "
"Porque é que não me atendeste o telemovel quando te liguei naquela noite? Nem mesmo depois da mensagem que te deixei...onde certamente se deve ter ouvido o meu atropelamento?"
"Eu perdi o telemovel... Não te contei porque havia coisas mais importantes do que dizer-te que na manhã em que fui para o hospital deixei a mala no metro. Mas.. não entendo o que se passa. Realmente, desde que estou contigo que tu estás sempre distante.. pensei ser ainda do choque do acidente, embora não possa negar que me magoe eu ter estado sempre aqui contigo e só quando acordavas é que sorrias genuinamente comigo!"
"Catarina.. eu não quero caridade. Não quero que estejas comigo porque tive um acidente e porque estive em coma. Isto tudo é um erro.. Nunca ouviste a minha mensagem, de certeza?"
"Não... já te disse que não.. Mas porquê tanta importância na porcaria duma mensagem?"
"Isto nunca vai funcionar.. Desculpa mas... eu não te amo Catarina. Obrigado por tudo o que fizeste por mim nestes dias, mas... não dá! Não aguento... Não vai ser possível... Naquela noite eu segui-te porque era isto que te queria dizer... Que não dá! É melhor cada um seguir a sua vida..."

Não consegui chorar, não consegui gritar.. simplesmente congelei durante escassos segundos. Levantei-me, enfiei as poucas coisas minhas que estavam em casa dele num saco preto do lixo e ele nunca deixou de fixar a televisão... Nunca voltou a olhar para mim. Quando me aproximei da porta da rua disse-lhe:
"Tenho muita pena... nunca fiz isto por caridade e pensei que finalmente íamos ficar juntos. Nunca te disse, mas ao longo da minha vida, sempre achei que era contigo que ía ficar. Na noite do acidente percebi que te amo e que te vou sempre amar... e percebi isso quando jantava com o meu amigo." - ele fechou os olhos e eu fechei a porta!
Dois dias depois, apanhei o avião para casa e nunca mais voltei a NY... nem a saber dele.

* * * * * * * * *

Era dia 7 de Setembro, estava um sol radiante e um calor forte mas tolerável. A Joana e o Diogo, amigos do tempo de faculdade, íam finalmente casar. Este casal tinha se tornado num dos meus melhores amigos já no fim do curso. Eu estava a trabalhar em Portugal, finalmente no meu negócio. Juntei-me com o meu pai e com a minha amiga e colega de curso Maria e abrimos uma empresa de Eventos como sempre quiseramos. Finalmente eu era uma pequena empresária. Tinham passado quase 3 anos desde a minha vinda de NY. Nunca mais voltei, nunca mais soube dele.
Continuei a falar com Pilar, que já me tinha vindo visitar a Lisboa 2 vezes. Da primeira vez, passámos uma noite inteira a falar do que se passara entre mim e ele. Pedi a Pilar que nunca me dissesse nada sobre ele... se continuava no Hotel, se não continuava... Durante várias vezes Pilar tentou falar comigo sobre o assunto, dizendo que a policia tinha encontrado o meu telemovel e carteira. Tentou enviar-me o telemovel por correio, dizendo que eu talvez devesse ouvir a tal mensagem que ele tanto falara na noite em que nos separámos. Mas eu nunca quis... Sofri demasiado quando voltei a Portugal e só queria duma vez por todas encerrar aquela história.

Mas hoje era dia de festa e eu ía estar com muitos amigos dos velhos tempos.. Rute, Ruca, Maria e David, Marta! Íamos estar juntos no casamento da Joana e do Diogo, uma festa aguardada e ansiada por todos nós.
Eu estava bem morena denunciando que as férias tinham sido óptimas. Vesti um vestido pérola com florões azuis forte, conciliado com sapatos de salto alto e klutch do mesmo tom das flores. Cabelo esticado, pérolas e óculos de sol.
Compus o colarinho ao Duarte, meu acompanhante. Também estava moreno do sol, mas o tom era mais claro.. Dourado, com o cabelo côr de avelã e pequenas mechas côr de mel. Beijei-o e disse-lhe "És o par mais lindo que poderia ter..." - ele sorriu-me e deu-me a mão.

A Joana estava radiante, transpirando felicidade por todos os poros. O Diogo, não cabia em si de feliz, chorou ao ver a sua mulher entrar na igreja. De tenis All Star, procurou em mim companheirismo quando todos o gozavam por esse feito. Cumprimentou o Duarte com um aperto de mão e disse-lhe "Ahh ganda Duarte!".

O copo de àgua iria ser servido na praia e fora organizado por mim e pela Maria. Foi assim que conciliaram as vontades de ambos... O Diogo queria casar na praia e a Joana na igreja. Esta foi a forma que escolheram para que ambos ficassem com os seus desejos realizados naquele dia tão importante.
Quando estavamos à espera que a sessão fotográfica acabasse, sentei-me num dos sofás dispostos na praia, na zona de relaxamento e observei o Duarte... "Será que algum dia me vou casar? Será que algum dia vou ter um dia e um amor assim?" - nisto, um par de lágrimas caiu-me pela cara.. A Rute, a Maria e a Marta aproximaram-se de mim... Nada me disseram, sabiam que eu estava a pensar nele... sabiam que eu sabia que só me casaria com ele. Respeitaram o facto de eu nunca querer falar sobre ele e sentaram-se perto de mim... A Joana, divertida como sempre aproximou-se:
"Estou farta desta gente toda.. nem conheço metade! Alguém me dê um cigarro se faz favor..." - começámos todas a rir. "Catarina, precisamos de falar contigo" - disse a noiva, juntando-se às minhas amigas. - "Mau...o que é que se passa agora?"
"Boa tarde a todas..." - ouviu-se vindo de trás de mim... A Rute fechou os olhos, a Maria e a Joana ficaram de boca aberta e a Marta aproximou-se de mim sussurrando "calma babe..."! Quando me virei era ele... ELE! Era isto que me queriam dizer... que ele tinha sido convidado para o casamento e que só viria ao copo-de-àgua.

Sempre idealizei como seria quando o voltasse a vêr e sempre achei que seria um momento em que não me conseguiria conter, mas a verdade é que me portei lindamente. Levantei o nariz e aproximei-me dele, cumprimentando-o com 2 beijos - "Olá. Não te esperava ver por aqui... Estás com bom ar, fico contente. Diverte-te!" e desapareci...Acelarei o passo para a casa de banho mais próxima, seguida da Rute. Ao entrar, chorei... desalmadamente por breves minutos... Limpei por dentro e perguntei à Rute "E agora amiga... E agora?"
"Agora, pões o teu olhar 53 e vais lá para fora, orgulhar-te por ele ir comer o teu catering.... Tens de ser forte!"
"E o Duarte?"
"Isso é que vai ser mais complicado...."

Tentei fugir subtilmente durante todo o cocktail de abertura dele e na altura de nos sentarmos, foi inevitável que ele se sentasse na nossa mesa. Logicamente, ele não conhecia mais ninguém. Foi sozinho e passou todo o almoço a olhar para o Duarte. Tentei disfarçar, mas ele conhecia-me... Melhor que as melhores amigas todas juntas, tal como estavam naquela mesa. Ele sabia que eu estava tudo menos bem!

Aquilo era tudo o que eu sempre sonhara... A maioria dos meus amigos estava ali, faltavam alguns, é certo... Casamento na praia, felicidade... Eu e ele, sentados na mesma mesa.... Porque é que não conseguíamos estar juntos?!

No momento tipico das danças, vim com o Duarte para o espaço exterior... Há muito tempo que não fumava um cigarro, mas naquele dia, precisava dum... ou dum maço! Comprei um maço e estava encostada a fumar quando ele se aproximou de mim, pondo-se atrás de mim, podendo sentir o seu cheiro, o seu respirar...
"O Duarte é bonito..."
"Sim... obrigada!"
"Tem o teu sorriso... Não sabia que tinhas sido mãe! Foi uma surpresa..."
"Da mesma maneira que é uma surpresa ver-te aqui..."
"Que idade é que ele tem?"
"Fez em Julho 2 anos..."
"Tens aqui o teu telemovel que perdeste na manhã do acidente."
"O que te faz pensar que eu quero ouvir a mensagem ao fim de quase 3 anos?"
"Porque chamaste Duarte ao teu filho?"
"Será que vamos falar ou só vamos fazer perguntas soltas um ao outro?" - Sorrimos os dois... triste e cumplicemente.
"Chama-se Duarte porque eu queria que ele tivesse um nome do pai.... O Duarte é teu filho..." - aquilo saiu-me sem eu pensar, sem qualquer plano, sem qualquer ideia... Saíu!
"Eu sei.... olha os olhos dele... são iguais aos meus!" - enrolou o seu braço na minha cintura, puxando-me para ele, sem nunca nos olharmos de frente.
"Porque me mandaste embora naquela noite? Porque estás aqui agora?"
"Ouve a minha mensagem... por favor... vais entender! Eu pensava que era somente caridade por causa do acidente e pensei que não me amavas, pensei que estavas com o outro..."
"E se me dissesses o que está na mensagem? Não quero ouvir-te a ser atropelado..."
"O que está na mensagem sou eu a dizer que te amo... E quero ficar contigo!"

Sorri e fechei os olhos... uma lágrima caiu-me pela cara morrendo nos nossos lábios, quando ele me virou e beijou. O Duarte aproximou-se, exclamando: "Mamã.. é ete o papá?" - ele, baixou-se e com os olhos repletos de lágrimas respondeu-lhe "Sim filho.. eu sou o papá!"


....Fim....


1 comentário:

  1. Não esperava por este fim, surpreendeu-me, admito.
    Está forte e emotivo. Talvez demasiado, mas muito bom.
    E Duarte, parece-me um óptimo nome!

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