quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O Sonho - XII (through his eyes.....)


Era mais uma noite mal passada, mais uma apenas - pensei. Única diferença deste acordar para o anterior era a chuva que se ouvia lá fora. Facto este que pouco me animava, antes pelo contrário apenas vincava o estado de espírito que emergia em mim. Negro, frio, tempestuoso, nada amigável, sem tempo ou vontade para conversas, caras ou pessoas… bem esta ultima parte não era totalmente verdade.

Dei por mim novamente a pensar nela, “novamente ao acordar” disse como um sussurro, algo que caminha para se tornar banal. Aquela que seria a única pessoa ou o rosto que me faria sair da chuva.

O apartamento era relativamente pequeno, um quarto, cozinha, sala e uma casa de banho, com uma decoração minimalista, não por moda ou sentido estético, apenas porque tinha aprendido a evitar tralha que apenas complicava o momento de fazer as malas.

O relógio na mesa marcava agora 06:27, pouco mais de duas horas, desde a última vez que me lembrava de o ter visto antes de adormecer pela segunda ou terceira vez nesta noite. Sem grandes dúvidas o melhor a fazer era levantar, arrastar-me para o banho e aos poucos tomar o meu caminho. Foi o que fiz, desliguei o despertador, já não ia ser necessário, liguei o rádio num CD compilado para as manhãs mais difíceis, encaminhei-me para o duche, parando antes em frente ao espelho para confirmar… estava com um aspecto decaído, um farrapo seria a melhor descrição. Olheiras pretas carregadas em rosto pálido, barba por tratar, cabelo desgadelhado... “ Já te vamos por bom, homenzinho” disse piscando o olho para o rosto que se reflectia à minha frente, sentindo a música a fazer o seu efeito.
Depois do banho e de vestir ao seguir para a porta de saída decidi voltar atrás, confrontando agora o rosto que via, estava realmente um pouco melhor, as olheiras não se conseguiam disfarçar muito, nunca tinha conseguido ser um metrossexual assumido nem praticante por assim dizer, tomava atenção ao corpo mas não em demasia, apenas idas regulares ao ginásio. Cremes, grandes cuidados ou cosméticos não faziam parte do meu dia-a-dia.

Restava-me tomar um pequeno-almoço forte em açúcares e confiar que a imagem que transmitia era a de confiança, sofisticação, seguro e claro, de homem saudável sendo este um requisito óbvio aos olhos de clientes, chefes ou colegas. Afinal de contas a minha posição obrigava a um certo cuidado e brio, algo que me orgulhava de sempre manter desde o inicio de carreira.

A chuva não era muita e o frio debaixo do sobretudo não se fazia sentir em grande escala. Mas estava sem margem para dúvidas um dia cinzento.

Na viagem para o hotel tentava abstrair-me do motivo pelo qual tinha passado as ultimas duas noites em claro. Situação difícil mas ao chegar ao hotel tornou-se impossível.

Tinha chegado antes da hora, encontrava-me agora em frente ao hotel do outro lado da rua, olhando para o topo contemplando-o, era realmente um hotel imponente, notando-se traços e linhas, ainda que de enorme beleza já um pouco antigas, o que aliado a uma equipa envelhecida, (talvez este o principal motivo) tenha provocado um atraso em relação à concorrência que se tinha verificado.

“Necessita de sangue novo” - diziam, uma vez que uma restauração na fachada era mais dispendiosa. Para combater a situação para que caminhava tinham sido contratados novos chefes de departamento, novos em idade e no hotel, trazendo consigo ambição mas também créditos firmados.

Era sexta-feira, dia 6 de Novembro, não falava com ela á dois dias, pensamento este que acordou num impulso e me fez avançar com a esperança de hoje ser o dia em que voltaria a vê-la.

- “Não podemos ficar assim, sem dizer… sem resolver. Não desta vez”- repetia para mim enquanto me encaminhava para o nosso gabinete.

Tinha sido o primeiro a chegar, algo que não estranhei. O que era bom pois ir-me-ia dar tempo de trazer ao de cima a pose de profissional.

Chegou Pilar, com quem falava bem, abertamente e tinha alguma confiança, não fosse ela espanhola. Falávamos em castelhano principalmente, pois apesar do inglês não ser problema para nenhum, sempre treinava a fluência e o sotaque dizia para mim mesmo, como se precisasse, mas o maior motivo era também o maior gosto. Ouvi-la falar castelhano, fazia-me recordar o inicio da minha aventura fora de portas, todas as primeiras loucuras e os primeiros grandes desafios, Madrid.

Não toquei no assunto, se seriamos novamente só os dois naquela sala e algum assistente dos eventos a surgir por vezes. Mas a resposta foi surgindo com o passar dos minutos, e tornou-se obvio que os dias que o Sr. Park tinha dito que ela ia tirar não acabavam hoje. Restou-me então concentrar ao máximo para a reunião de negociação de novos contratos que tinha nessa manhã e com algum do trabalho que sobrava devido ao pessoal a menos nos eventos.

Como no dia anterior a sensação de falta de algo desapareceu, tinha-me focado totalmente em fazer aquilo que gostava, que o dia tinha passado como diz o cliché a voar, sem que voltasse a pensar nela.

Nos transportes de volta a casa retirei a foto que tinha sempre comigo na carteira, para me ajudar a decidir e a reflectir, mas a verdade é que em todas as ocasiões a pequena fotografia fazia-me decidir com o coração, era a altura em que a razão deixava de entrar na equação e perdia a compostura, deixando cair as barreiras para outras guerras assim como caiam-me as lágrimas pelo rosto…

Boa decisão não poderia vir de um homem sentado no metro com um fato caro, uma fotografia na mão, de sorriso aberto e lágrimas a caírem-lhe pelo rosto como cai a uma criança que deixa cair o chupa ao chão.

Podia não ser a melhor decisão, mas alguma teria que ser tomada.

“Espero mais um dia. Sábado é o dia. Se amanhã não tiver uma resposta…” O plano estava traçado, em breves segundos tinha tomado uma das decisões mais importantes dos últimos tempos…

Ir á luta ou deixar ir… Nessa noite iria a sua casa, levaria comigo o jantar, e o resto teria que esperar para ver, não sabia o que esperar da sua reacção ou discurso, por isso não tinha como me preparar.

A noite de sexta para minha surpresa tinha acabado por se revelar bem mais agradável do que tinha esperado. Continuava sem ter notícias dela mas tinha programa, saída com uns colegas do hotel, dois ou três com quem era normal ter conversas no refeitório. Não contava demorar muito, uma simples ida a um bar, iria evitar entrar em frustrações em mais uma noite mal dormida.

Ponto de encontro era no tal bar, bastante animado e bem frequentado. Tinham acabado por aparecer seis colegas. Duas ou três bebidas mais tarde e uma conversa insinuativa junto ao bar por parte da Meredith, uma jovem rapariga dos alojamentos, em que educadamente declinei os seus convites, decidi que a noite terminava para mim. Despedi-me, tomei o meu caminho e sem grandes demoras estava a dormir.

A chuva tinha sido uma constante nestes dois dias, faltava um sol pelo menos, pensava ao acordar… Mas desta vez não a acompanhava o meu estado de espírito. Estava animado, menos confuso, já tinha chegado à minha decisão, o que tinha sido um factor crucial para o descanso da noite anterior. Por essa mesma razão o dia de sábado foi banal, pelo que me guardava para a noite.

Encontrava-me a poucos metros da sua porta a pagar o táxi agarrando o nosso jantar numa mão quando de relance observo-a a sair, descendo as escadas e caminhando para a rua num passo apressado tendo em conta os saltos que empregava. Fiquei a vê-la chamar um táxi em que entrou e seguiu o seu caminho, sem reacção enquanto o taxista falava comigo, “siga aquele táxi” disse-lhe apontando para o carro onde seguia a Catarina, não evitando um pequeno sorriso ao pensar na situação caricata em que me encontrava, tirada de um filme sem dúvida.

Não eram muitas as ideias que me passavam pela mente, onde poderia estar a ir, e para que? A direcção que seguíamos era a baixa, o tempo passava e ia ficando aos poucos mais nervoso, agitado. Parando junto a um restaurante elegante e com fama de certo requinte. Desta vez bombardeei-me com novas questões, “porquê vai ela jantar aqui? Sozinha?” enquanto ela se encaminhava para entrar. Paguei novamente e saí do táxi, deixando no seu interior o saco com a comida, afinal não servia de nada, era obvio que já não íamos jantar em sua casa.

Aproximei-me da entrada procurando observar os seus movimentos pela janela, mas ela dirigia-se para o fundo, zona mais privada pensei… e num ápice, estava a entrar porta adentro, tentando evitar o “host” enquanto este me perguntava se tinha reserva ou se vinha ter com alguém. Foram apenas precisos alguns passos, dados a custo tentando sempre desviar do anfitrião e sem chamar á atenção dos que nos rodeavam para a voltar a ter em vista, encontrava-se agora a chegar a uma mesa com um cavalheiro sentado de costas para a entrada que se levanta ao sentir o seu toque no ombro, a forma como se cumprimentaram era mais intima que apenas dois amigos…

Sem sentir qualquer emoção na minha voz ou no tom sussurrado apesar do latejar que sentia bem vivo pedi desculpas e comecei muito ligeiramente a conduzir-me para a saída, enquanto continuava com o olhar focado na mesma direcção e via-a despir o seu casaco entregando-o a um outro empregado que o levou. Era como uma cena violenta ou sanguinária de um filme, em que se quer deixar de olhar mas o vício era mais forte. Por mais longe que estivesse conseguia conhecer o seu rosto, ver cada linha, cada traço da mesma maneira que uma mãe conhece o seu filho e sente algo poderoso dentro dela no instante em que lhe entregam o seu filho e esta o sente nos seus braços pela primeira vez depois do parto. Estava de cabelo solto, ligeiramente maquilhada com os olhos brilhantes a condizer com os seus lábios, um vestido simples combinando o preto e o branco sobressaindo a sua beleza, com um colar sobre o seu peito.

“Se não tem reserva tem que sair! Não me obrigue a chamar a polícia!” dizia o empregado, mal sabendo que eu não o escutava, estava noutra dimensão, noutro tempo e espaço apenas admirando e observando-a.

“Eu saio, não se preocupe. Desculpe”

“Então vá, siga o seu caminho.”

Virei costas, pegando de seguida no meu telemóvel e marcando o número dela.

Chamou uma primeira vez, uma segunda vez enquanto caminhava pelas ruas sem direcção alguma, o meu interior apenas me mandava afastar daquele local, o subconsciente mandava-me proteger para não me magoar, mas já não era possível. Então era isto que ela andava a fazer os últimos dias? De onde tinha vindo aquele homem? Tinha jogado comigo ela? A cada pergunta nova que formulava a mim mesmo sentia raiva a crescer dentro de mim. Decepção, dúvida, tristeza e mágoa eram mais alguns dos sentimentos que estavam a vir ao de cima, que me arrepiavam a espinha, e me faziam tremer. Sentia o meu mundo a ruir, teriam sido aqueles dias mentira?

A chamada acabou por ir para o voicemail e foi aí que voltei dos meus mais sombrios pensamentos dando conta que não sabia o que dizer.

“Sou eu Catarina” – comecei por dizer. “Vi-te agora no restaurante…acompanhada. Não sei quando vais ouvir isto, nem sei porque te estou a ligar ou que dizer… és uma mulher livre mas precisava falar contigo e se neste momento não me atendes não tenho outro meio para te dizer o que penso.” - Notava mais confiança na minha voz, já eu próprio a conseguia ouvir sobre os sons da rua, e não tinha tantas pausas.

“Claro que gostava de saber o teu lado, gostava imenso de saber o teu lado, porque acredita fiquei sem saber o que se passa, o que temos… É difícil saber o que te vai na cabeça, alias, ganhas-te. Pensei que estávamos os dois no mesmo nível... os dois perdidos um pelo outro… estes dias que foram para ti?”

Será que o tremer da minha voz se notaria na chamada? Não queria dar parte fraca, tentei me controlar e recuperar o controlo daquilo que dizia e sentia dentro de mim. Evitar a todo o custo que a lágrima que me escorria pelo rosto tivesse a companhia de mais… “Vais dizer que estes dias não tiveram significado? Quem é aquele homem? Esquece, não tenho nada que perguntar… Alias, tenho sim! Sou aquele que dormiu contigo à 5 dias, aquele com quem tens passado os teus dias… aquele que te adora…e precisa de ti para ser feliz. Era isto que te ia dizer hoje, sem rodeios, nem falsos sentimentos."

Sentia que já não era apenas uma lágrima que me caía pelo rosto, e se se notava na chamada? Azar, pensei eu. Caminhava agora num passo mais rápido como se a velocidade soltasse os sentimentos que me faziam sofrer.

“Sou aquele que se apaixonou por ti, vais dizer que foi um jogo…?” O discurso começa a sair-me naturalmente, não pensava no que dizia, apenas disparava as palavras. Sentindo a pressão a desaparecer sobre mim. “Ontem dei por mim a pensar em ti… Melhor, em nós, sim, em nós porque estou decidido a deixar de estar sozinho, e também não quero esconde-lo apenas quero ser feliz, e é de ti que preciso para isso. Não fujas uma vez mais, não te vou deixar escapar pelos dedos como se fosses o vento… Não desta vez! É isso… é isto que tenho para te dizer. Pessoalmente.”

Fez-se luz, era isto que queria dizer. “Só agora vi...” disse parando de caminhar, caindo em mim… ”amo-te… Eu amo-te” - E dei por mim olhando em redor para reconhecer onde estava com o intuito de voltar para trás pelo mesmo caminho, para os seus braços. De lhe dizer tudo isto pessoal, para nem que fosse só ver como reagiria. Tinha que tentar… Num impulso segui os meus instintos e caminhei na direcção oposta à que tomava á breves momentos…



Ouviu-se um barulho agudo, forte, penetrante em todos os que o rodeavam, mas senti-o bem perto de mim, alguém gritou em plenos pulmões seguindo-se de um novo barulho, desta vez uma pancada seca, oca mas ainda mais forte que o anterior… E apenas silencio depois.

O seu telefone apenas voltaria a tocar na manhã seguinte para se ouvir: “Estou sim? Estou a falar com a Catarina Gonçalves? É do NewYork-Presbyterian Hospital, lamento ligar-lhe mas ocorreu um acidente…




7 comentários:

  1. Como historia, já me fizeram chorar.
    Por favor, na vida real façam-me sorrir.
    Estão á espera de quê?
    Todo o Mundo vê ..... menos voces.
    Óculos ?? A Multiopticas ta com promoçoes :)

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  2. Qual historia qual quê !!!
    Está tudo bem claro.
    Mais real nao podia ser.
    Feitos um para o outro.

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  3. Um texto muito bem escrito.
    Quem escreve assim tem a caixinha vermelha "coraçao" bem cheia para dar, mas a caixinha cinzenta "cabeça/cerebro" muito desarrumada.
    É mais facil escrever do que dizer, eu sei.
    Mas falando, o resultado ia ser tao bommmmmmm.

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  4. WOWWW!!
    Nunca o meu blog foi tão concorrido =|
    Vamos lá por partes... Primeiro, fico à espera k assinem os comments... Não há mta gente que tem o endereço, mas qd vos confronto dizem k não foram vocês.. Mau.. Já sabem k não gosto mto dessas coisas...!
    Outra coisa.. MTA MEDO destes comments...voces sabem k isto é ficção.. Foi engraçado ter a versão contada pela "outra parte", mas não confundam as coisas... Ok?! Já pensaram k isto pode estar a deixar-nos desconfortáveis?! Não façam com k nós deixemos de escrever... ;-)
    Beijinhos

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  5. Estar "sozinho" é uma notável metáfora para o estado em que ele se encontra. Por vezes estamos rodeados de pessoas que não nos dizem nada...simplesmente ficam ali... e inconscientemente acomodamo-nos com a sua presença.
    Temos que contrariar esta tendência e lutar realmente pelo que queremos e que nos faz vibrar. Se o coração é o orgão que nos mantem vivos, temos de seguir o que nos diz e esquecer a cabeça que por vezes só nos transmite medos, remorsos e preconceitos. Temos que saborear os sentimentos mais puros que nos fazem sentir vivos.
    Só vivemos uma vez, e as oportunidades de sermos felizes junto de um grande amor são reduzidas, praticamente nulas. A Vida é demasiado curta para desperdiçar com hábitos/comodismos ou para carregar com os problemas dos outros.
    Temos que mudar de vida por nós e por quem realmente nos ama e nos aceita por completo, na nossa mais pura essência.
    Cabe apenas a ele a decisão final... tem que agir como um verdadeiro homem e tomar as rédeas da própria felicidade, sem medo de represálias.
    Admitir o seu Amor apenas por palavras não basta..pois estas leva-as o vento.. as atitudes e comportamentos permanecem.
    Só encontramos um grande Amor uma vez na vida... e amanhã pode ser tarde demais....
    CORAGEM E ATITUDE POR FAVOR!!!!!!!!!!
    VIVE ESSE AMOR COM ELA, JUNTOS!!!

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  6. * * *

    fechei o livro, a história tinha ficado por ali.

    Arrumei o livro na estante azul junto aos romances inacabados.

    Deitei-me na cama, deliguei a luz e deixei-me levar pela escuridão que me rodeava.

    A historia estava contada na primeira pessoa. Da maneira que tinha acabado para eles, tinha acabado também para mim; eu li, eu sofri, eu sorri, eu desejei, eu amei!, tal como eles eu senti a vontade de acordar e gritar ao mundo o que sinto e por quem sinto.

    Que o amanhã deles compense o afastamento, que os faça ver que além do "é porque tem que ser" ha o amor que da maneira que o vivem, não viverão de novo.

    Que quando o dia amanhecer, haja uma nova historia de "como ser feliz passados 6 anos"!

    Que se amem, que se desejem, que partilhem, que aprendam, que vivam!...

    Que sejam felizes sem mais barreiras...

    Boa sorte.

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