domingo, 4 de julho de 2010

O sonho - Chapter II

Depois daquele momento constrangedor, sentámo-nos finalmente e começámos a reunião de apresentação. O Sr. Park quis que todos os presentes falassem um pouco da sua vida profissional até então, não só eu e "ele", mas todos os que estavam na sala. Para ele era uma forma de nos conhecermos melhor. Para mim, foi o maior pesadelo... Eu que tinha chegado cheia de confiança e moral, agora sentia-me como se estivesse no 10º ano... Só pensava se tinha a maquilhagem impecável, se a camisa não estava amarrotada, se as unhas tinham o verniz bem espalhado... Até a beber água a entornei... Precisava urgentemente de me acalmar...
Começaram pela ponta oposta, o que fazia com que "ele" falasse primeiro que eu... Óptimo! Assim tinha tempo de me acalmar... As mãos suadas começaram a secar, finalmente.
O Sr. Park fez as honras da casa e começou a contar-nos a fantástica história da sua vida.... Realmente, era um homem que reflectia a sua sabedoria e conhecimento em todas as rugas da sua testa, todas as horas de trabalho nas rugas dos olhos e todas as vitórias em cada cabelo branco. Era fácil ouvi-lo falar. Lembrava-me o meu avô, quando passava horas a repetir-me as histórias que eu ouvira milhares de vezes na minha vida, mas em todas elas, eu sentia que era a primeira vez que as ouvia...
Segui-se o director financeiro... Um japonês. Nem simpático nem austéro, profissional, racional, com mãos pequenas e unhas roídas. Homem de 40 e poucos anos, gravata fora de moda mas altamente focado na realização de projectos.
Até que chegou a vez de ser "ele" a falar... Levantou-se, fechou os dois primeiros botões do casaco e começou a falar.
"Bom, como já sabem, eu sou o novo director comercial. Sou português." - Quando ele disse aquela ultima frase, sorri e olhei para ele... ele retribuíu o sorriso. Aquele orgulho do nosso cantinho especial à beira mar plantado. E depois, lá seguiu com a pequena descrição da sua vida profissional - "Comecei a minha carreia em Lisboa, numa cadeia espanhola onde já tinha estagiado, no departamento comercial. Daí, segui para Madrid onde estive 6 meses e depois Suiça, onde tirei um Mestrado e trabalhei ao mesmo tempo, também no departamento comercial mas com ligação ao departamento de eventos num hotel americano. Ao fim desses dois anos, passei pelo Dubai e finalmente, Lisboa, sempre nessa cadeia americana."
Não posso negar que fiquei espantada com o percurso que "ele" tinha tido... Mas não era de esperar outra coisa, "ele" sempre fora extremamente inteligente e eu sabia que "ele" havia de ter sucesso.
Enquanto falou pude finalmente observá-lo, porque desta vez tinha motivo para tal... Estava "crescido" mais uma vez... Denunciavam-se algumas rugas, exactamente aquelas que tinhamos falado há 6 anos atrás, num arraial de santos populares, perto da nossa faculdade. As que "ele" chamava de "rugas de expressão" e eu dizia que íam ser as maiores rugas da cara dele. A barba continuava a favorece-lo de longe... dava-lhe um ar distinto e interessante. Aparada, tratada e extremamente sexy. As mãos continuavam a gesticular daquela maneira tão dele... Tão própria, tão segura. Estava com um corpo mais definido, via-se que havia algum ginásio naqueles musculos e algum ciudado.
A única coisa que eu não consegui realmente ver, foram os olhos... Não tive a coragem de o fitar, de o procurar. Meu Deus... Eu estava a retroceder 6 anos em menos de 1 hora. Como é que era possível?!
Quando foi a minha vez de falar, de repente, a confiança e a determinação voltaram a mim... Não podia deixar que o passado interferi-se com o meu presente e tinha até de lhe mostrar que me tinha tornado numa mulher forte e confiante... Foi o que "ele" sempre me disse que queria que eu fosse e que tentava ensinar-me isso diariamente, portanto, ía-lhe mostrar que realmente eu tinha aprendido com "ele" e que era uma mulher bem sucedida.
À medida que eu ía falando, não pude deixar de reparar nele... Parecia indiferente, mas muito atento. Arregalou os olhos quando em disse que tinha estado em Paris... Se aquele homem que eu tinha conhecido há uns anos atrás se mantinha igual, certamente que se lembrava que Paris e NY eram os meus maiores sonhos.
Quando acabei de falar foi a primeira vez que nos olhámos nos olhos... "Ele" estava a olhar para mim e foi dificil não "esbarrar" com o olhar dele. Ficámos a olhar-nos directamente nos olhos durante uns segundos, até que eu baixei o olhar. Não estava preparada ainda para aquilo...
No fim daquele dia extremamente carregado de sentimentos, eu só queria chegar ao meu quarto, tomar um banho de espuma acompanhado de um cigarro e ligar à Rute! Precisava dela mais do que nunca... Como é que eu lhe ía dizer que aquele que eu continuava a querer esquecer ao fim de 6 anos, estava em NY e a trabalhar no mesmo hotel que eu?
"Rute... Estás aí ou já desligaste?"
"Estou... Mas acho que o sangue parou de correr nas minhas veias!"
"Amiga... por favor! Preciso das tuas palavras sábias neste momento... Se a ti te parou o sangue, imagina eu quando o vi entrar pela sala de reuniões."
"Eu nem quero imaginar, realmente! Mas olha que ele também não deve ter ficado melhor Catarina..."
"Ele estava óptimo Rute... Cumprimentou-me como se me tivesse visto a semana passada ou como se nunca se tivesse passado nada. Falou seguramente e nem voltou a falar comigo durante o dia!"
"Catarina... poupa-me! Ninguém ficava indiferente a esta situação... Ele pode ter muitos defeitos, mas tem sentimentos... e de certeza que quando vocês se afastaram também não foi fácil para ele não é?! Agora dá-lhe é tempo... Vocês vão ter de falar um dia, afinal de contas... estão em NY os dois... Destino ou não, aconteceu tal e qual como ele te disse..... só que não foram 10 anos, foram 6!"
A verdade é que mais uma vez, tinhamos deixado de nos falar por uma criancice. Eu estava perdidamente apaixonada e "ele" sabia. As coisas tinham se tornado muito intensas, tanto a nível de sentimentos como de proximidade fisíca. Eu era louca por "ele". Tornámo-nos demasiado próximos até que entrámos no limiar do perigo e do que nunca devíamos ter feito.
Numa daquelas noites quentes em que eu fui ter com ele para resolver alguns mal entendidos finais, acabámos por nos envolver... O desejo era muito mas até então, eu continuava sem saber se era mútuo ou se aconteceu só por acontecer. Como estava caída de amor e não me queria magoar, simplesmente afastei-me outra vez... Não deixei de falar, mas todas as sms, telefonemas, cumplicidade e especialmente a amizade, tinham desparecido de forma drástica. Depois daquela noite, cometi o erro de o tratar com um conhecido e não como o homem pelo qual eu estava apaixonada e com quem tinha passado uma noite louca de amor. De todas as vezes que ele tentou perceber o que é que se estava a passar, eu fugia à resposta... Até que, depois do último exame do nosso último ano de faculdade o sentimento de culpa invadiu-me por completo.. talvez porque sabía que já não o ía ver tão frequentemente... Quando quis resolver as coisas, ele não quis... Basicamente, voltámos à vida passada... ele continuou a relação que tinha e onde era seguro e eu... fiquei por aí... umas noites sozinha, outras acompanhada mas o seu beijo, o seu toque, o seu cheiro... tudo permanecia em mim desde então... A força, a confiança, a dedicação... tudo o que ele me tinha ensinado nos últimos 6 meses de curso estavam em mim bem presentes... Bem como aqueles olhos inconfundiveis, cor de mel!
Quando cheguei ao fim de todas estas lembranças, começaram a aparecer os primeiros raios de sol pela janela... Era melhor tomar outro banho e preparar-me para o meu segundo dia de trabalho... que aparentemente, ía ser bem longo!

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