sexta-feira, 23 de julho de 2010

O sonho - IX

Durante aqueles breves segundos onde os meus lábios tocaram os dele, pude relembrar todos os momentos, os sorrisos, a cumplicidade, as lágrimas, os momentos em que me afaguei, em que ele se afagou no passado.

Falarem-me em "borboletas estomacais" em nada se compara com o que senti das poucas vezes que o beijara na vida. Era muito forte, muito intenso... Como aliás, tudo o que se referia a ele. "Ele" era sinónimo de força, de mistério, magnetismo, poder, controlo, sexualidade, delírio da carne, ambiguidade e acima de tudo...de perfeição.

Se havia pessoa perfeita no mundo, era "ele".... "ELE"!
Quando nos afastámos e parámos de nos beijar, fiquei sem perceber muito bem se o beijo tinha sido correspondido ou não. A verdade é que ele pôs os olhos no chão e suspirou longamente... Não um suspiro de felicidade, mas sim um suspiro de preocupação.
"Desculpa. Desculpa, não sei onde tinha a cabeça" - disse eu ainda mais nervosa e totalmente arrependida.
"Shhhhiu... não digas nada. É melhor..." - Aquele "é melhor" entrou no meu peito como se fossem mil punhais. Não respondi, engoli em seco as lágrimas de raiva que começaram a querer explotar dos meus olhos. Respirei fundo, sentei-me finalmente no banco e acendi um cigarro.
"Não sabia que continuavas a fumar... Desde que estamos em NY ainda não te tinha visto fumar."
"É porque estou contigo... Já sabes que contigo não fumo."
"Então porque é que estás a fumar agora?!"
Automaticamente deixei cair o cigarro da minha mão.... O poder dele continuava em mim, entranhado no meu sangue, imposto na minha personalidade.
Ali ficámos, em silêncio durante vários minutos, eu sentada no banco, ele apoiado no varão que separava o rio da margem. Silêncio ensurdecedor que fazia com que a minha cabeça não parasse de fabricar perguntas, respostas, cenários para o que se iria passar depois.
"Vamos embora daqui." - disse ele, esticando-me a mão, de forma fria e brusca. Eu obedeci, caminhando de mão dada com ele até entrarmos num táxi.
Ele estava nervoso, irritado... Dava para sentir toda a tensão nos musculos dele, a cara comprimida, a boca fechada sem pronunciar uma unica palavra, os olhos fixos, as mãos a apertarem as minhas.
Ao entrar no táxi murmurou o nome da minha pensão e manteve-se calado todo o caminho, sempre a olhar pela janela, perdido em si, nos seus pensamentos, nele próprio.
Eu, magiquei tudo o que lhe podia dizer quando chegássemos à porta da minha pensão. Mas não conseguia chegar a uma conclusão. Eu não o devia ter beijado, era tudo o que inundava as ideias que me pareciam brilhantes... EU NÃO O DEVIA TER BEIJADO. Comecei a sentir-me nauseada devido à carga nervosa que me estava a consumir aos poucos, como rastilho embebido em gasolina, acendido na ponta.
Quando chegámos à pensão, ele não saíu do táxi.. Eu esperei uns segundos pela sua reacção, mas percebi que não ía ser nenhuma quando ele secamente me diz "Boa noite Catarina". Engoli em seco mais uma vez e retribuí, saindo do táxi sem olhar para trás.
Depois de entrar no meu quarto, sentei-me na cama e senti-me vazia. Pensei que ía chorar, mas curiosamente, nada me saíu pelos olhos... Pensei que fosse gritar, mas estava muda, pensei que fosse esmurrar alguma parede, mas as mãos não pararam de ladear o meu corpo... Deixei-me cair para trás e revi todos os segundos, momentos, frases, palavras daquela noite até chegar ao beijo. Mais uma vez, nenhuma das minhas dúvidas fora esclarecida... tal e qual como há 6 anos atrás... em que tentei várias vezes entender o que se passava entre nós, o porquê de por vezes dar-me tudo e no dia seguinte, tirar tudo... e nada foi respondido, nem há 6 anos, nem agora e pelos vistos nunca viria a ser.
Acendi as minhas velas de baunilha, liguei as colunas ao leitor de MP3 e deliciei-me com um banho de espuma. Precisava de relaxar. Assustava-me com o facto de não explodir, de não chorar, de não doer. A partir do momento em que entrara no meu quarto tinha ficado simplesmente oca e vazia, sem reagir, sem me mexer, sem raciocínio.
Vesti uma t-shirt larga ainda dos tempos em que vivera em Paris. Tinha comprado aquela t-shirt para oferecer ao Denis, aquele loiro de olhos azuis, lábios carnudos e quase dois metros de altura que eu conhecera quando a sua equipa de futebol esteve presente num evento de caridade organizado por mim no hotel em que eu trabalhava. Ele era guarda-redes dum clube pequeno em Paris que jogava na segunda divisão. Era um homem atraente, lindissimo e extremamente romântico, algo que me irritava e aborrecia profundamente. A quimica foi mutua e bastante rápida, uma vez que 3 dias depois desse evento, passei a noite em sua casa, um minúsculo T1 perto da praça da Bastille. Pensei que me pudesse apaixonar pelo Denis, devido a toda a sua meiguice e doçura, mas percebi que não no dia em que comprei a t-shirt que tinha vestido.
Tinha ido passar um fim de semana em trabalho ao Mónaco, para uma conferência enfadonha de "como organizar eventos" e comprei aquela t-shirt numa rua repleta de lojas de "souvenirs"... tamanho XXL, para lhe assentar nos ombros, devido à largura que ele tinha. Lembro-me das vezes incontáveis que ele me telefonara nesse fim de semana e das largas dezenas de sms com "Tu me manques beaucoup". Sim, tínhamos tido sexo casual (pensava eu) várias vezes, alguns jantares, um ou outro cinema, mas para mim, nada sério. Mas a verdade é que tive vontade de lhe comprar um mimo. Tal como já disse, pensei que me pudesse apaixonar... ele era de facto lindo de morrer, talvez o homem mais bonito que tive na minha vida. Logicamente que não havia muito prazer intelectual uma vez que Denis era ligeiramente acima do "básico", não me sabendo cativar ou ter uma conversa comigo que me fascinasse de o ouvir falar... mas o prazer físico era abundante e intenso o que de certa forma me fazia ficar junto dele.
Quando regressei a Paris no domingo à tarde, ele convidara-me para jantar em sua casa. Passei por casa para me preparar, vesti uma lingerie sexy, peguei na t-shirt embrulhada e segui para sua casa. Quando entrei, não virei costas e desapareci porque sou uma pessoa educada e respeitadora. A casa estava super bem decorada, com rosas vermelhas e velas por todo o lado, um cheiro agradável a incenso pairava no ar e o ambiente podia ter sido o propício a uma noite louca se a casa não estivesse cheia dos seus amigos que viram a minha cara de apavorada quando Denis disse alto ao abrir-me a porta "meus amigos... aqui está ela... a minha namorada!".
A t-shirt nunca saíu de dentro da minha mala e o Denis nunca mais me viu. Essa noite acabou as 7 horas da manhã comigo a sair daquele T1 e a nunca mais voltar, depois de lhe explicar que até podia ter dado certo...se ele tivesse esperado... Mas hoje reconheço... quanto tempo é que eu o ía fazer esperar?
Fervi àgua e fiz o meu chá favorito... cidreira e mel. O cheiro do chá envolto com o cheiro a baunilha das velas criou uma atmosfera hipnotizante no meu quarto. Encostei-me à ombreira da janela e apreciei o céu... infelizmente em NY não se nota qualquer estrela devido à imensa luz que há, mas a lua, cheia ainda por cima, não desaparecia do cimo da minha janela. Será que "ele" a estava a ver também? Ao menos, que ambos olhássemos para a lua, ao mesmo tempo... sempre acreditei ao longo destes 6 anos que sempre que vissemos a lua, nos viríamos um ao outro, onde quer que estivessemos.
Nisto, a porta do meu quarto começa a ser socada violentamente... Pousei o chá e pedi para aguardarem, mas quanto mais pedia, mais forte batiam.
Abri e era "ele"... parado, mirou-me de cima a baixo e entrou de rompante no meu quarto. Não me deu qualquer tempo de falar ou perguntar o que fosse. Agarrou-me o cabelo por trás da nuca, entrelaçando os seus dedos compridos no meu longo cabelo preto, reclinando-me ligeiramente a cabeça deixando o meu pescoço totalmente à deriva no oceano que me aguardava dentro da boca dele. Com a outra mão fechou a porta brutalmente e não me largou mais.
Beijámo-nos, tocámo-nos e ele fez de mim escrava e raínha, dependendo da sua vontade e disposição. Senti-lo dentro de mim era algo único e inexplicável. Mais uma vez, tudo naquele homem era intenso e diabolicamente viciante. As dentadas, os beijos, a respiração do meu ouvido... Foi a noite mais carnal e ao mesmo tempo doce que tive em toda a minha vida. A necessidade de beber o meu corpo, de explorar algo que houvera mudado em 6 anos, a minha loucura por aquela fonte de pecado, a minha vontade de provar todos os recantos do corpo dele... Comparar aquela noite com a que tinha feito com que nos deixassemos de falar, era totalmente cómico. A verdade é que há 6 anos atrás, apesar de míudos, já tinhamos bastante experiência, não em parceiros, mas sim em saber no que erámos bons e o que gostávamos, mas ali, naquela noite...erámos duas pessoas vividas, a conhecer e a amar o seu corpo como ninguém, sabendo muito bem o que gostavam e o que os fazia contorcer de prazer. Basicamente, aquela noite de sexo louco e desenfreado, tinha uma componente de liberdade e de à vontade que há 6 anos atrás não tinha tido. Para mim, juntava-se a componente dolorosa "amor".
Quando finalmente parámos e nos deitámos lado a lado, ele leu-me os pensamentos e puxou-me para o peito dele. Perfumado, com as medidas certas. Afagou-me e sussurrou-me "a tua t-shirt é tão verdadeira".
Pois... na verdade era! A t-shirt que nunca saíra da minha mala em Paris tinha a frase "Relations sexuelles sans engagement : celui de relations durables"....

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