segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Sonho - III

Quando cheguei ao Hotel, ainda tinha tempo para ir beber um café... Era raro encontrar um expresso de qualidade que lembrasse uma "bica" portuguesa embora eu já estivesse habituada devido aos anos fora do meu país. A sorte é que no bar de pessoal havia uma máquina de café italiana... A invenção de cafés de "pastilha" tinha sido brilhante.
Depois de mais uma noite em branco, uma dose grande e forte de cafeína parecia-me o mais acertado.
Quando entrei na sala, acenei aos colaboradores e dirigi-me à dita maquina.
"Bom dia" - ouvi eu, atrás de mim... era "ele". Aparência cuidada, nó de gravata perfeito... será que já o sabia fazer sozinho? Botões de punho e sapatos engraxados... como "ele" estava crescido e bonito. Também tinha chegado mais cedo. Os hábitos mantinham-se como há 6 anos atrás... jornal gratuito debaixo do braço!
Tirei o café e dei-lho, agradeceu com um sorriso cordial e profissional e foi-se sentar a ler o jornal. Eu virei-me muito depressa, já a suar por todo o lado e a ensaiar como meter conversa... "então, estás a gostar de Ny?!" - Não.. pergunta básica... "então, já com saudades de casa?!" - Não.. pergunta demasiado íntima... "então, é a primeira vez que estás em NY?!"...
Acabei por não perguntar nada. O Sr. Park tinha vindo à nossa procura para nos levar ao nosso novo gabinete.
"Bom dia! Como estão? Já recuperaram as horas de sono?" - Ui... é o que eu tenho feito mais... dormir!
"É tudo um processo de habituação." - respondeu "ele", com a sua frieza e racionalidade típicas. O seu nível de inglês estava agora perfeito e dava prazer ouvi-lo falar.
Depois deste pequeno "quebra-gelo" o Sr. Park começou então a conduzir-nos para o gabinete. De repente, entrei em pânico... As cadeias americanas de hotelaria tinham a ideologia de não fazer distinção entre directores e trabalhadores, pondo todos a trabalhar no mesmo espaço. Os directores, regra geral trabalhavam juntos, ou seja, os departamentos que poderiam ter algo a ver uns com os outros funcionavam em equipa... Ora, departamento de eventos e departamento comercial estão intimamente interligados.
Quando dei por mim, já estava à porta da sala de trabalho... e claro, mais uma vez não me tinha enganado; íamos mesmo trabalhar na mesma sala.
À entrada estava Pilar para nos ajudar a acomodar. Também ela trabalhava nesta sala, juntando assim eventos, comercial e marketing. Na verdade,tinha toda a lógica uma vez que são 3 departamentos que necessitam uns dos outros para sobreviver.
"Venham, vou levar-vos ao nosso espacinho!" - tive uma réstia de esperança de que não fosse ficar mesmo perto dele... Mais uma vez, enganei-me, claro!
Qual não foi o meu espanto quando entro numa pequena sala, do género aquário, com três secretárias, uma em cada canto da sala, todas viradas para o centro. No canto que sobrava havia uma máquina de café, um quadro de corticite com imagens de Espanha e várias plantas. Pilar pediu que levassemos fotos dos nossos sítios preferidos em Portugal. A ideia dela era que já que não estavamos no nosso país, ao menos que tivessemos imagens dos sítios que nos faziam bem. Naquele momento, decidi automaticamente que fotografias levar... Não era díficil!
Uma das mesas era de frente para a mesa da Pilar e a outra para o tal cantinho dos países. "Ele" deu-me a honra de escolher, sendo que escolhi a de frente para a Pilar. Seria bom poder ter um olhar para buscar conforto de vez em quando e já que erámos duas mulheres, certamente que nos íamos entender.
Assim que me sentei, puxei da minha mala a moldura com a foto dos meus três sobrinhos: Samuel, Laura e Simão. Antes de sair de Portugal, peguei neles e fui ter com os meus Rucas para tirar uma foto dos meus meninos juntos. Queria-os a olhar para mim, a terem orgulho na tia e era uma forma de matar saudades diariamente e de ter força quando algo corresse mal. Aqueles três sorrisos deliciosos e rechonchudos enchiam-me o coração.
Era uma sensação estranha, estar a trabalhar e saber que ele estava ali... a menos de 3 metros de mim. Se parasse e me abstraísse, quase que o podia ouvir respirar, como noutras alturas...
Dei por mim a pensar naquela noite, no cais dos barcos em Lisboa, em que ficámos dentro do meu carro até às 4h30 da manhã de um dia da semana. Tinha sido uma noite especial e diferente, em que para mim, era suposto a passarmos juntos... mas a vida dele não permitia! Eu não passava da amiga com quem se partilhava tudo e somente isso. A verdade é que depois de ter chorado muito nessa noite, não consegui deixá-lo sozinho... fui ter com ele àquele sítio onde já tinhamos passado muita coisa, onde já tinhamos segredado tanto coisa... basicamente, aquele era o nosso sítio.
Só o facto de termos estado em silêncio, abraçados e a partilhar chocolate, tinha feito dessa noite uma das mais especiais.
No fim do dia, a Pilar convidou-nos aos 2 para irmos beber uma cerveja a um bar perto do hotel. Nenhum aceitou.. eu precisava mesmo de dormir, uma vez que as duas últimas noites tinham sido longas e ele, certamente que não queria confianças. Já o conhecia....
Essa noite foi proveitosa. Pelo caminho comprei comida chinesa e comi quando cheguei ao quarto. Esse pequeno cliché também já podia ser riscado da "To do List". Falei com a família e enfiei-me na cama. Precisava de dormir e limpar o cérebro o mais que pudesse para poder começar a trabalhar em condições.
Uns dias mais tarde, estava eu concentradissíma no meu trabalho quando oiço:
"O Samuel está enorme... e a Laura linda. Tiveram um terceiro entretanto?" - Meu Deus.. ele lembrava-se dos meus sobrinhos! Naquele momento, só me apteceu pedir-lhe para irmos beber um café e falar horas a fio das nossas vidas nos últimos 6 anos.
Com a garganta em nós respondi: "Sim... são eles que me põe velha... mas o outro é o Simão. É meu sobrinho, mas não da minha irmã."
"Ahh.. é da parte do teu marido!" - aquilo saiu-lhe assim muito de repente mas foi o suficiente para me fazer entrar no dominio da conversa.
"Não... por acaso não. É filho do Ruben e da Rute."
"Que engraçado... realmente vendo bem é parecido com eles. Não sabia que vocês se continuavam a dar, mas... faz sentido!"
"Pois... Há muita coisa da minha vida que tu não fazes ideia!" - Pronto... a boca fugiu-me para a saída directa do coração. Agora é que já estava tudo estragado.
"Sim... é verdade. Devíamos jantar um dia destes, afinal, estamos os dois em NY e devíamos nos apoiar um no outro não?! É que já começo a enjoar de comida chinesa."
Rimos os dois cumplicemente... Aqueles breves segundos pareciam duma outra era, nem parecia que não nos falávamos há 6 anos e da maneira que tinha sido.
A verdade é que aquele convite para jantar me parecia totalmente "Politicamente correcto", mas mesmo assim, conhecendo-o como conhecia, não podia deixar de me espantar.
Quando ele se afastou, Pilar olhava para mim e sorria de forma maliciosa, como quem esperava que eu lhe contasse alguma coisa. Senti-me corar, algo raro e quase que inédito em mim.
Nesse dia, olhámo-nos ainda algumas vezes e sorrimos... Parecia as salas de aula da nossa faculdade... Pontas opostas, mas olhares em linha recta!
Pouco antes do final do dia, a minha caixa de correio acendeu... Era um email do Director Comercial:
"O tal jantar... pode ser hoje?!"

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