segunda-feira, 12 de julho de 2010

O Sonho - VII



No sábado passei o dia na cama, com noodles e TV via internet... Precisava de ouvir falar português para me sentir mais perto de casa, como que no colo das pessoas que mo davam quando precisava. Liguei-me via Skype com o meu pai, depois com a minha mãe e por fim com a Rute... Dos meus pais, escondi tudo... da Rute, não deu para o fazer pois mesmo via camera, ela consiguia ver os meus olhos inchados de tanto chorar.

"Espera, repete lá outra vez se faz favor..."

"É mesmo isso que tu ouviste... casado!" - repeti eu no meio dum choro compulsivo.

"Estou completamente em choque... Nem sei bem o que te dizer, mas lamento não estar aí..."

"Estás aqui sim... por isso estou a falar contigo agora...."

"Então mas tu não lhe perguntaste se ela está aí também?"

"Não... só lhe perguntei se ele era feliz... Mas ela deve cá estar porque ele vai cá passar o aniversário."

"Como é que é possível tu continuares a não lhe fazeres perguntas Catarina? Vais deixar que seja como foi há 6 anos em que ainda hoje procuras respostas? É por isso mesmo que nunca o esqueceste... Porque as coisas não foram esclarecidas para poderem ser esquecidas...."

"Sei lá... só sei que estou em NY, o homem que não esqueci também, mas agora... casado!"

"Amiga...deixa-me fazer-te uma pergunta que nunca te fiz..... Tu ama-lo?"



Pois aí é que estava.... Antes de o "voltar a conhecer" depois de 2 anos sem falarmos, eu tinha tido duas relações longas, uma delas, até era practicamente casada... E nunca senti o que tinha sentido e sentia por "ele". No passado, o "amo-te" saía-me da boca quando havia real necessidade de o dizer... aqui, nunca tinha havido essa necessidade, mas havia uns sentimentos reais e arrebatadores como eu nunca tinha antes sentido. Ao fim de 6 anos, eu continuava a adormecer a pensar nele e a acordar com ele no pensamento... Durante 6 anos esforcei-me por me envolver, por me apaixonar por alguém mas nunca passou de sexo. Alguns tiveram o azar de se envolver demasiado, dando provas que todas as mulheres gostam, mas para mim não chegava... Precisava que me cativassem intelectualmente, que fossem inteligentes, seguros, donos de si, que me encorajassem, acreditassem em mim, me fizessem soltar gargalhadas e sorrisos constantes, me ouvissem, respeitassem e acima de tudo... me fizessem sentir mulher que usa e abusa de poderes carnais mas também me fizessem sentir menina, a precisar de mimo e que a afaguem e protejam... e isso, só ele conseguiu na vida.

Lembro-me que ele foi o primeiro homem na minha vida que me afagou no peito dele e mimou, dizendo "anda cá menina... que tu não estás habituada a mimos mas mereces tantos."

Ele era o único que me enchia o estomâgo de borboletas e furacões quando o via, mesmo ao fim de 6 anos... era o único que me fazia perder o apetite, mesmo ao fim de 6 anos... era o único que me fazia sorrir verdadeiramente, mesmo ao fim de 6 anos... e era o único que trazia o melhor de mim ao de cima, baixando todas as barreiras....

Se tudo isto era amor.... se calhar sim, se calhar não. Mas se era...então assim, talvez fosse amor o que eu tinha dentro de mim.



Domingo de manhã acordei com a necessidade de tomar uma decisão e alugar a minha casa. Estava cansada de viver numa pensão e precisava de fazer alguma coisa. Levantei-me da cama cedo, tomei um duche longo, para lavar também a alma, vesti uns jeans banais, uma t-shirt branca, ténis e um casaco de malha rosa velho que a minha madrinha me tinha feito antes de vir para NY. Óculos de sol, fiéis amigos e saí...

Parei para comprar 3 jornais de classificados e fui até ao Starbuck's perto do hotel para tomar o pequeno almoço. Estava carente, precisava de açucar... Deliciei-me com o meu preferido "Blueberry Muffin" e com um frappuccino de baunilha. À saída trouxe um café grande para me ajudar a concentrar na busca da casa perfeita.
Quando saí do café deparei-me com um sol radiante, brihante e dourado a pairar sobre Central Park... Como que hipnotizada dirigi-me para uma das muitas espreguiçadeiras que por ali estão dispostas.
Percorri aqueles jornais durante horas a fio, assinalando com um marcador colorido as que me pareciam melhores, para entrar em contacto e ir vê-las.
Para descansar a vista, recostei-me na cadeira e comecei a observar o mundo à minha volta... Casais apaixonados, mães solteiras, famílias... como é que numa cidade como NY consegue haver momentos tão pacatos e relaxantes....
"Continuas a gostar de observar as pessoas?" - Ali estava ele, mais uma vez.... Com o sol por trás, parecia um anjo....
"Olá... Coincidência ver-te aqui."
"Vim ao Starbuck's e parece que tu também. Mas, não me respondeste..."
"Hum... Sim, continuo a gostar de as observar... Velhos hábitos. Então e sozinho por aqui num domingo?"
"É...parece que sim. E tu, sozinha?" - Mais uma vez não respondia como passava a pergunta para mim....
"Sim... hoje estava numa tarefa solitária."
"Ai sim?! Então? Pode-se saber o que era?"
"Estou à procura de casa... estou cansada de estar num sítio que não tem a minha cara nem o meu cheiro."
"Óptima ideia. Fazes muito bem, mas não me parece que o devas fazer sozinha..."
"Hábitos que a vida me trouxe....!"
"Então e se fossemos comer alguma coisa para me mostrares as casas que te parecem melhor?"
Naquele momento não pude deixar de sorrir... e quando o fiz, ele sorriu também. Aquele míudo de outrora estava realmente feito um homem... cortês, simpático, bonito... Era óbvio que a Emma se tinha apaixonado por ele. Aliás, várias as mulheres se devem ter apaixonado ao longo destes 6 anos.
"Parece-me uma boa ideia, se bem que este sol de domingo está a carregar-me baterias..."
"Então deixa-te estar que eu tenho uma ideia..."

Nisto, virou-me costas e desapareceu num ápice no meio das pessoas...ao voltar uma meia hora depois, trazia dois sacos de papel grandes, um em cada braço. Começou a sorrir vitorioso ao longe e eu comecei-me a rir a vê-lo todo atrapalhado a desviar-se de 2 irmãos que corriam como loucos no parque...

"Cata... Vamos fazer um pic-nic!" - não podia acreditar que estava a ouvir aquilo.... - "escolhe um lugar que queiras, anda!"
Caminhámos sobre o parque, com ele a carregar os sacos e eu à frente, a procurar uma sombra agradável. Deparei-me com uma árvore sem ninguém... era quase um oásis naquele domingo. Fiz sinal com a cabeça e ele concordou.
Quando nos sentámos ele mandou fechar os olhos enquanto tirava tudo dos sacos...
"Já podes..." - quando abri os olhos foi impossível as lágrimas quentes não se misturarem com o riso nervoso... Pastéis de bacalhau, pastéis de nata, azeitonas, uma caixinha de arroz de pato, uma caixinha de bacalhau à brás, pão alentejano, queijo e uma garrafa de Monte Velho tinto...
"Onde é que arranjaste isto tudo?!"
"Há um mini mercado de emigrantes portugueses aqui por trás do hotel. Foi um senhor da manutenção que me disse. Fazem comida para fora. Calculei que não soubesses..."


Não deixei o cérebro pensar e abracei-me a ele... ao fim de 6 anos sentia aquele corpo colado ao meu outra vez, o cheiro, o respirar no meu ouvido, o cabelo encaracolado, as mãos grandes nas minhas costas....


"Porque é que isto está a acontecer outra vez?" - Murmurei eu no ouvido dele....
"Porque nunca devíamos nos ter deixado de dar...."

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