quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Sonho - V


Naquele momento ele pareceu adivinhar o que me passava na cabeça... Apertou o meu braço contra ele e perguntou-me o que se passava. "Nada" - disse eu a culpar-me por ter dado nas vistas.
Aproveitei e soltei o meu braço do braço dele.
"Foi impressão minha ou estavas a sorrir sozinha?"
"Foi impressão tua, claro!"
Naquele momento começamos os dois a rir... mais uma vez ele tinha conseguido entrar na minha mente. Continuava astuto!
Caminhámos mais uns largos metros a falar de trivialidades acerca de NY. Realmente era tudo aquilo que ambos esperávamos e tinhamos visto em filmes. Aí fiquei a saber que ao contrário de mim, ele já lá estivera duas vezes em férias.
Chegámos a um edíficio grande mas estreito. Era ali que ficava o restaurante, mas eu não via onde! Abriu-me a porta para eu passar, entrámos no prédio e dirigimo-nos aos elevadores. Era fabuloso como os elevadores nesta cidade eram tão rápidos.
Quando dei por mim estava no 82º andar... Era ali o restaurante. Entrámos numa porta banalissima, como se estivessemos a entrar numa casa particular.
Fomos recebidos por um latino-americano extremamente profissional. Falava-nos com uma mão atrás das costas e acabava e começava as frases sempre com "sim senhor, claro senhor, à sua disposição". A sala estava decorada como a sala de uma casa normal. Tinha 3 sofás em veludo preto, com um tapete branco no centro, uma lareira num canto, uma cristaleira e uma mesa de revistas.
"Ele", como o seu inglês perfeito comunicou que tinha uma reserva e encaminharam-nos à porta que nos conduzia à sala de refeições. Era a porta da varanda... Eu já sorria... já estava a antever o que aí vinha.
Quando nos abriu a porta, não pude deixar de parar e começar a rir sozinha... era das coisas mais bonitas que tinha visto em toda a minha vida. O último andar do prédio, com uma vista soberba sobre o Central Park e NY.
Tinha luzes pequenas e amarelas penduradas por todo o lado, na varanda, tochas acesas. Havia mesas e cadeiras normais e nos recantos com as melhores vistas, mesas baixas, com pequenos puffs de verga... lembravam-me o que eu tinha no meu quarto em casa, Lisboa!
A varanda era de vidro, deixando assim ver a paisagem na totalidade. Era algo único, aquela conjugação de côres, luzes das ruas misturadas com as luzes dos carros sempre em movimento. A única luz estática era a da lua... que já tinha chegado ao céu e estava cheia bem iluminada.
De repente reparei que estava estática na ombreira da porta enquanto que "ele" e o empregado estavam afastados a olhar para mim e à minha espera para se dirigirem à mesa. "Ele" tinha um sorriso na cara... dava para ver que estava contente por me ter surpreendido.
O empregado dirigiu-nos a uma das mesas baixas. Tinha velas na mesa, duas vermelhas e uma branca. Guardanapos de pano vermelhos e copos de vidro grosso. Os talheres eram grandes e pesados e estavam muito bem polidos. Estavamos num canto da varanda, virados para o centro do mundo... NY!
Quando nos sentámos "ele" respeitou a necessidade que eu tive em contemplar aquilo tudo... O meu coração transbordava de sentimentos... Saudade, mágoa, nostalgia, melancolía, raiva, paixão... eu sabia que jantar com "ele" ía ser complicado, mas assim... ía ser ainda pior!
"Então Cosmo... surpreendida?!"
"Bom... na verdade nem por isso!" - Brinquei eu, pondo um ar de superioridade notório para nos podermos rir os dois.
"Vá... de nada!" - aquela frase caíra como uma bomba... Baixei o olhar porque os meus olhos encheram-se de água. Aquela frase tão típica, tão usada há 6 anos atrás tinha sido a gota que tinha feito a taça transbordar. - "Hey... então?" - perguntou ele meio surpreso.
"Não sei que te dizer... mas realmente, obrigada parece-me o melhor neste momento!" - e deixei cair algumas lágrimas enquanto sorria ao mesmo tempo. "Ele" sorriu duma forma paternal, limpou-me a cara e gracejou - "Olha a maquilhagem... Estamos em NY, sei que se pode andar de qualquer forma, mas uma directora de eventos tem de estar sempre no seu melhor." - ri-me enquanto ele sorria vitorioso por ver-me acalmar. Pedi licença e levantei-me. Precisava de me acalmar.
Quando entrei no WC fiquei muito tempo parada em frente ao espelho. No reflexo do mesmo, vi-me a mim 6 anos antes... cabelo mais curto, mais kilos, roupa normal sem grandes luxos. Actualmente eu era uma mulher que vivia muito para a imagem. Tinha horas marcadas para tudo.... manicure, pedicure, cabeleireiro, limpeza de pele... TUDO em mim era "lapidado" com alguma frequência. O mais engraçado é que há 6 anos atrás, eu era simplesmente... EU! Era mais feliz do que actualmente, mais divertida, mais brincalhona. Trabalhar fora e sozinha tinha-me feito uma pessoa desligada, distante e até mesmo fria, coisas que eu sempre criticara... até há 6 anos atrás. Já não me lembrava do que era estar nervosa num jantar, de perder o apetite quase com vómitos por causa da presença de alguém, de sorrir sem motivo aparente e muito menos... de me sentir a transbordar alegria por todos os poros. Os saltos altos eram nulos... eu estava a flutuar e não precisava deles para nada. "Ele" tinha conseguido trazer o melhor de mim ao de cima... mais uma vez!
"Escolhi o vinho, espero que não te importes." - WOW... eu estava cada vez mais boquiaberta... será que eu sempre que voltava a falar com este homem, ele tinha mudado assim tanto?! Sim... já tinhamos passado uma temporada sem falarmos... durante o tempo de faculdade. Tonterias de crianças, que misturadas com alcóol têm um desfecho infeliz. Foi depois dessa altura que quando voltámos a ser amigos, as coisas enverdaram pelo caminho errado.
"Não, não me importo... só espero é que o tenhas sabido fazer." - lá estava eu... a atacá-lo como sempre fizera. Não o fazia por maldade e ele sabia-o. Era uma forma de darmos luta um ao outro e de "quebrar o gelo".
Depois de lermos a ementa cuidadosamente e de fazermos o pedido, comecei a recear como é que a noite ía decorrer. Se por um lado queria muito esclarecer tudo o que se passara há 6 anos atrás, comecei a perder a vontade de o fazer naquela noite... que estava a correr tão bem.
"Então conta-me Catarina.. Como é que vieste aqui parar?"
"Bom.. presumo que no dia que entrámos tenhas ouvido o meu percurso profissional até agora..."
"Nem por isso, não dei importância..." - brincou ele... - "Claro que ouvi... parabéns! Os teus 2 grandes sonhos estão concretizados."
"Sim.. é verdade. Não posso negar que foi duro chegar aqui, mas... consegui. Batalhei muito e surtiu algum efeito."
"Nunca tive dúvidas que conseguirias... sabes disso." - mais uma vez, engoli em seco e baixei o olhar.. as coisas invadiam a minha cabeça sonicamente... Lembrei-me duma tarde no meu miradouro preferido de Lisboa... quando eu achava que o meu carro não ia caber em determinado lugar de estacionamento e em que ele me disse "Cabe... tenta lá!" e a verdade é que coube... quando saímos do carro ele disse "Eu disse-te... acredito em ti e no que fazes."
"Obrigada. Mas nem sempre foi fácil, mas tu deves saber... andar a trabalhar fora do nosso país não é fácil. Tem coisas giras e únicas, mas momentos duros e dolorosos."
"Sim, é verdade. Tens razão. Mas já sabíamos disso... Erasmus ajudou a abrir os olhos quanto a isso."
Quando chegaram os pratos principais, a conversa continuou... Como tinhamos ido parar ao estrangeiro, situações divertidas, dolorosas e por aí fora.
"Os teus sobrinhos estão enormes e bonitos. Deves estar muito orgulhosa."
"São o amor da minha vida... é complicado estar longe deles, mas tentei sempre vê-los uma vez por mês. Estando a trabalhar na Europa é mais fácil ir a casa."
"Claro, as low-cost são fabulosas." - Os silêncios de pergunta para pergunta eram cada vez mais longos... - "Então e... filhos teus?"
"Não... nem filhos, nem maridos, nem namorados... Casei-me com a carreira." - sorrimos os dois, mas de forma vazia.... "Então e tu?"
"Bom eu... casei-me."
O meu mundo acabara de desabar... estava a beber um golo dum estupendo Cabernet Sauvignon ao som de Air, quando ouvira aquilo que menos queria ouvir...
"Ele" estava comigo em NY, num sitio mágico a viver algo que tínhamos falado várias vezes no passado... Mas se antes fora díficil... agora... ele estava casado!

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