terça-feira, 13 de julho de 2010

O Sonho - VIII

Ao ouvir aquela voz a pronunciar aquelas palavras, levantei-me como se tivesse uma mole forte debaixo de mim. Não me podia ir abaixo mais uma vez por causa dele, muito menos, em frente a ele.
"Desculpa... Mas não posso fazer isto. Obrigada pelo almoço, ou pela tentativa... Mas não posso. Não posso!" - Peguei na minha mala e virei costas. Os olhos ardiam-me por susterem as lágrimas, mas eu não podia rebentar ali.. Ainda estava muito perto.
"Espera Catarina... Temos que falar!" -Ouvi-o ao longe, mas nem sequer me virei... lembrei-me de quando nos deixámos de falar a primeira vez, em que o deixei a falar sozinho literalmente... Virei-lhe as costas e quando me voltei a virar para ele tinham passado 2 anos.

Corri para a pensão. No meio da multidão nova iorquina eu sentia-me sozinha, perdida e sem saber o que fazer à minha vida. Ponderei em despedir-me... Era o emprego de sonho da minha vida, mas por ele, ou melhor... por mim, deixava-o. Não ía conseguir suportar estar com ele a toda a hora e voltar aos jogos absurdos iguais ao do passado. Para ele tinha sido indiferente... casou-se, teve a vida dele, eu limitei-me a ficar agarrada ao passado... A ele, ao que senti, vivi, falei, vi, ri e chorei com ele. Estava cansada de viver infeliz, de ter perdido o meu sorriso, a minha boa disposição, a alegria contangiante que eu sempre tivera e que agora...tinha desaparecido. Estava cansada de não conseguir sorrir como antes, de me ter tornado fria, racional... De me comover pouco com o que me circundava. Tinha de o tirar da minha vida, ou fugir dele... Tinha de voltar a ser feliz e com ele por perto e a voltar a mim desta maneira, não ía conseguir.

Na segunda feira cheguei ao trabalho com 1 hora de atraso... Tinha adormecido mais uma vez sentada no chão ao lado da janela a ver a lua e quando acordei já passavam 45 minutos da hora a que devia ter acordado.
Entrei de olhos no chão e disse um bom dia quase que murmurado.
"Tía... que pasa? Hoje não vem o nosso director comercial, tu chegas dessa forma... até podia brincar e dizer que passaram o fim de semana juntos." - Olhei para ela e certamente que me denunciei - "Tu não me digas que acertei...."
"Claro que não Pilar. Já te expliquei que fomos meros colegas de faculdade e mais nada."
"Bueno... Vou continuar à espera que me queiras contar essa história. Olha, por falar nisso, já trouxeste fotos para o nosso placar? Ele já pôs as dele na sexta feira..."
Levantei-me e fui ver... e mais uma vez, entrei em desespero. Não era justo nem correcto... No meio de 6 fotos, destacavam-se duas... O meu miradouro preferido em Lisboa e o cais do Terreiro, aquele que tinha sido o nosso "pouso" durante meses a fio.
Saí do gabinete disparada, dirigi-me ao espaço exterior e liguei-lhe. Tinha de lhe dizer que não aguentava mais os jogos estúpidos e injustos. Tinha bastado o passado, não queria mais do mesmo.
"Estou?"
"Sim. Olá. Olha, hoje podemos nos encontrar? Precisamos de falar."
"Catarina, agora não me dá muito jeito falar."
"Não quero saber, se faz favor responde-me. A que horas e onde nos podemos encontrar?"
"Catarina, por favor... Eu assim que puder ligo-te, pode ser?"
"Não, não pode. É para combinar já!" - a minha voz subia de frase para frase. Ele demorou a responder...
"Catarina, não posso falar agora. Estou num gabinete de advogados a ser atendido. Logo telefono-te ok?" - e nisto, desligou-me o telefone na cara. Fiquei ainda mais enraivecida, mas a verdade é que não tinha sido muito correcta.

Passei o resto do dia a olhar para o telemóvel, de cinco em cinco minutos. Precisava de lhe dizer tudo o que estava cá dentro. Provavelmente traria assuntos de há 6 anos atrás. Foquei-me que não podia perder a coragem quando o visse, como no passado. Tinha que evitar ao máximo olhá-lo nos olhos e ir directa ao assunto.

Quando chegou a hora de sair do trabalho, o telemovel continuava sem tocar. Como era lógico ele não estava ainda no gabinete de advogados. E já agora... o que é que ele estaria a fazer num gabinete de advogados?

Ao chegar ao meu quarto, o telefone não parava de tocar. Ao atender, o recepcionista avisou-me que tinha uma pessoa à minha espera na recepção. Pousei a mala e desci. Era ele...
"Vamos jantar?" - lindo, sexy e sereno... como sempre.
"Não sei... Sinceramente não tenho fome."
"Mas temos de falar, certo? Então vamos dar uma volta..."
"Está bem... Isso pode ser."
"Traz casaco."

Subi ao quarto, mudei de roupa num ápice e voltei a descer. Ele esperava-me enquanto lia um jornal financeiro.
"Vamos?" - disse eu, secamente.
"Sim" - esboçando um sorriso - "Parece-me que vai ser a noite mais longa desde que cheguei a NY."

Saímos e começámos a andar em silêncio.
"Há algum sitio que queiras ir em especial?" - perguntou ele.
"Não. Quero um local onde possa fumar, andar e estar sem pessoas à volta para falar à vontade."
"Está bem. Então sei onde te levar."
Apanhámos um táxi e saímos perto da Ponte de Brooklyn. Era ali que íamos ficar, num daqueles bancos de jardim virados a observar a paisagem. Fazia-me lembrar a Ponte 25 de Abril e a minha adorada Lisboa...

"Catarina... o que é que se passou há 6 anos?"
"Isso queria eu que me dissesses... Depois de tantas esperanças, de tantas coisas que passámos juntos, depois da ligação que criámos afastaste-te deixando-me sem rumo."
"Tu é que te afastaste... depois daquela noite... lembraste? Eu tentei falar contigo, explicar-te o meu ponto de vista depois disso e tu nunca me deixaste. Eu não sou de brincar. Eu sei que a minha vida não era fácil mas também tenho sentimentos, sejam eles quais forem. Não me deixaste nunca falar e quando quiseste, era tarde demais."
"Mas não tinhas o direito de me ter virado as costas, de me ter deixado de falar. De deixar de me responder, de me apagar da tua vida assim."
"Foi exactamente o que já me tinhas feito a mim Catarina... Custa, não custa?!"
"Então foi por isso? Por vingança?"
"Claro que não... sei lá... se calhar sim... Não sei. Sei que estamos os dois aqui, em NY... é estranho, é revoltante e inesperado."
"Ahh... Para ti é isso tudo?! Então e para mim? Que te parece que seja?!"
"Hum... Igual?"
"Só podes estar a brincar comigo, certo? Ainda não percebeste pois não?"
"Mas perceber o quê Catarina?"
"Chegas aqui... ao fim de 6 anos. Voltas a brincar comigo... Trazes o melhor de mim ao cimo novamente. Fazes-me sorrir e chorar. Fazes-me suspirar... Merda!"
"Mas... o que é que eu ainda não entendi?" - levanta-se ele para me tentar acalmar, uma vez que eu não parava de andar em círculos.
"Que... que..... nunca te esqueci... que continuas a ser aquele.... basicamente és "o tal"! E que tu estás casado...." - entrei num choro compulsivo, misturado com náuseas motivadas pelos nervos.
"Catarina...." - começou ele a falar enquanto me abraçava - "Hoje quando me ligaste, eu estava num gabinete de advogados..."
"Sim...o que é que isso interessa?!" - interrompi eu bruscamente.
"Calma... Ouve-me. Não sei se isto ajuda e como o vais encarar... mas... eu estava a tratar do meu divórcio."

Ao fim de 6 anos, agarrei-o novamente e voltei a beijá-lo... eu, outra vez eu! Mas não consegui controlar-me....

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